Neuroarquitetura e desenvolvimento infantil
Introdução
A neuroarquitetura é um campo que estuda os estímulos recebidos pelo nosso cérebro e seus impactos no nosso comportamento dependendo do ambiente em que estamos. Ao se tratar de crianças, esses impactos podem influenciar diretamente o desenvolvimento delas, tanto em personalidade, como caráter e autoestima.
“Podemos dizer que nós adquirimos os conhecimentos através da nossa inteligência, enquanto que a criança os absorve com a sua vida psíquica.[…] A criança, ao contrário, sofre uma transformação: as impressões não só penetram na sua mente, como a formam. Encamam-se nela. A criança cria a própria “carne mental”, usando as coisas que se encontram no seu ambiente. Denominamos o seu tipo de mente de Mente Absorvente. ” – Maria Montessori em ‘Mente Absorvente’.
De acordo com a “Teoria do pertencimento”, crianças precisam se sentir pertencentes aos ambientes, e isso faz com que seu cérebro capte os melhores estímulos para sua formação. De acordo com Maria Montessori – criadora do método Montessori – desde o nascimento, crianças já tem a habilidade de absorver todos os estímulos do ambiente no qual está inserida, da mesma maneira que uma esponja faz. Por isso, criar espaços adequados para elas é tão importante.
Estímulos x arquitetura
Os estímulos são absorvidos através de sensações. Ambientes que produzem sensações positivas para a criança desde seu nascimento, consequentemente fará com que elas produzam substâncias cerebrais mais positivas também. E qual o resultado isso? Elas aprendem mais rápido e sentem-se mais concentradas e motivadas.
O arquiteto para projetar um espaço adequado para crianças deve: utilizar móveis na escala adequada e colocar objetos de interesse e espelhos na altura dos seus olhos e mãos. Também deve levar em consideração os estímulos vindos de todos os sentidos, como a visão, através de uma paleta de cores adequada e organização dos itens da criança, o tato, através de texturas, a audição, com a presença de música (clássica) e o silêncio, e o olfato, através de cheiros que ficarão na memória afetiva da criança. Outras técnicas para projeto seriam: utilizar iluminação natural (o aprendizado de crianças em salas de aula bem iluminadas melhora em até 20%), e a utilização de plantas nos ambientes, que proporcionam relaxamento e conexão com a natureza.
Abaixo, vamos falar de alguns métodos e pedagogias relacionando neuroarquitetura e desenvolvimento infantil.
Método Montessori
Maria Montessori (1870-1952) foi a terceira mulher a se formar médica na Itália, e uma das primeiras a exercer a profissão. Também foi uma educadora que desenvolveu o método Montessori no Início do século XX. Seu principal objetivo era promover uma educação que respeitasse a individualidade e ao mesmo tempo contribuísse positivamente para o desenvolvimento cerebral das crianças, reforçando sua autonomia e autoconfiança.
Audrey Midigliani afirma que o método, embora complexo, pode ser resumido em três pilares:
“A criança, o adulto consciente e o ambiente preparado precisam estar sempre juntos, conectados. Um não funciona sem o outro. É preciso ser um adulto consciente e entender um pouco de desenvolvimento infantil. Pois de nada adianta transformar seu ambiente físico sem oferecer à criança uma atmosfera emocional calma, tranquila, paciente, acolhedora, respeitosa (para as crianças e para os adultos) e harmoniosa”.
O espaço montessoriano
O ambiente do quarto montessoriano é muito importante, mas é necessário que todos os espaços que hajam crianças, inclusive em espaços públicos, devam ser acessíveis para elas e seguros.
Projetos de ambientes baseados no método de Montessori precisam ser: minimalistas, organizados, acessíveis, seguros e silenciosos. Tudo isso deve ser previsto através do projeto de arquitetura. Como citado acima, além dos móveis baixos, os objetos precisam estar na altura dos olhos e das mãos das crianças. Alguns objetos importantes no método montessoriano são:
- Espelho: estimula o reconhecimento de si e identificação de expressões faciais (consequentemente, emoções). Também colabora na percepção de que ela (criança) e sua mãe são seres distintos – em um período da vida, as crianças passam por essa confusão.
- Barras de apoio: auxiliam na firmeza e equilíbrio do corpo, e no desenvolvimento de movimentos.
- Cama: não deve privar a liberdade da criança, por isso é recomendado uma caixa baixa ou colchão no chão, para facilitar seu ir e vir .
- Mobiliários na altura das crianças: como guarda roupas (para que a criança consiga escolher entre algumas peças, treinando a capacidade de fazer pequenas escolhas.), estantes organizadas para guardar brinquedos, mesas/cadeiras para atividades (sentar para fazer algo melhora o nível de concentração), escada pequena que ajude as crianças a alcançarem a pia do banheiro, por exemplo, entre outros móveis.
- Imagens e fotografias na altura dos olhos das crianças: despertam o interesse por arte e melhoram a memória afetiva.
Além da parte interna, o método montessoriano visa também a necessidade de a criança ter contato com a vida externa e a natureza.
Pedagogia Waldorf
O que é?
A pedagogia Waldorf foi criada por Rudolf Steiner (1861-1925) e seus princípios são baseados na filosofia antroposófica*. Esse método acredita que o indivíduo deve se relacionar bem consigo mesmo e com a sociedade, e esse relacionamento depende de uma formação que envolva seu modo de pensar, agir e sentir, que segundo Steiner, estão sempre ligados.
De acordo com essa filosofia, o desenvolvimento humano é dividido em setênios: O setênio de 0-7 anos é o mais importante, pelo aprendizado ter a ver com atos fundamentais como andar, falar e se reconhecer como indivíduo. De 7 a 14, elas desenvolvem principalmente emoções, criatividade e sentimentos. Para Steiner, a criança deve ser livre para explorar e devem ser expostas a diversas sensações. Para isso, elementos da arquitetura criam um espaço com um potencial criativo elevado para elas de acordo com caixa faixa etária.
Escolas de pedagogia Waldorf e neuroarquitetura:
As escolas que utilizam a Pedagogia Waldorf têm conteúdo diversos, como aulas de escultura, artesanato, além de muitas festividades. Desta forma, elas também projetam seus ambientes influenciados na filosofia antroposófica. A atmosfera de lar é extremamente necessária para o aprendizado das crianças. Elas precisam se sentir seguras, estimuladas e principalmente confortáveis. Cada espaço deve ser dedicado para uma atividade e elas devem se sentir apropriadas desses locais, por isso, utiliza-se da neuroarquitetura para projetar espaço alinhados com essa pedagogia: integrações artísticas, elementos repetitivos e uso de “cantos” são alguns exemplos.
Além disso, as salas de aula acompanham faixas etárias, pois cada uma delas contam com transformações geométricas e paletas de cores. A transição de ambientes mais orgânicos (crianças mais novas) para ambientes que contém ângulos (crianças mais velhas) funciona para trazer a percepção geométrica e desenvolvimento de formas, mesmo que de forma inconsciente. Paredes divergentes são mais utilizadas, para dar liberdade ao olhar da criança – ela decide para onde olhar, ao contrário de paredes convergentes que levam os olhos automaticamente para um ponto específico. As formas geométricas também aparecem nas esquadrias.
A percepção de cores para as crianças muda de acordo com seu amadurecimento, por isso utiliza-se cores que tenham mais a ver com cada faixa etária: tons quentes claros são para crianças menores, que estão relacionadas a atividades mais ativas, e tons frios são recomendados para crianças de idade intermediária, pelas atividades predominantes necessitarem de mais atenção. Crianças com idade mais avançada precisam de contrastes pois são relacionados ao abstrato.
Pedagogia Waldorf e Natureza
E para finalizar, mas não menos importante, a ligação das crianças com a natureza. Os benefícios são grandes à saúde psicoemocional delas. A natureza pode estar presente de forma direta, através de iluminação natural, em materiais de atividades (sementes, conchas, pedras, etc. – plástico não é recomendado) e elementos ao redor (terra, vegetação, etc.), de modo que as crianças possam mexer e descobrir texturas. Também pode estar presente de forma indireta, utilizando revestimentos naturais, por exemplo.
Para complementar o assunto “neuroarquitetura e desenvolvimento infantil” , leia a parte dois aqui, sobre a influência da natureza na formação da criança.
*Filosofia Antroposófica: É uma ciência espiritual moderna e prática, desenvolvida por Rudolf Steiner, que propõe uma forma livre e responsável de pensar, de perceber a realidade e de atuar, observando e respeitando o ser humano e a realidade na qual está inserido. (Fonte: Instituto Rudolf Steiner)
Fontes:
Midigliani Audrey. Archdaily: Neuroarquitetura aplicada a projetos para crianças.
Midliani, Audrey. Archdaily: Como estimular a autonomia das crianças através da arquitetura e o Método Montessori.
Migliani, Audrey. Archdaily: Como projetar escolas e interiores baseados na pedagogia Waldorf.